Jaiyah Saelua, entrando em campo pela Samo Americana |
Outro dia assisti ao
filme-documentário “The Next Goal Wins” (http://nextgoalwinsmovie.com/), que
trata da história recente da seleção de futebol da Samoa Americana, um pequeno pais
(ainda que dependente dos EUA) na Oceania e que, até pouco tempo atrás ocupava
o último lugar no ranking da Fifa.
Ficha técnica do jogo contra Australia |
Tendo como ponto de partida o
jogo disputado no dia 11 de abril de 2001, quando sofreu uma incrível derrota
de 31 x 0 contra a Austrália pelas eliminatórias para a Copa de 2002, o filme
retrata a luta para que sua seleção, formada por jogadores amadores, saísse da
incômoda situação de ser considerada a pior do mundo. Desde o fatídico
resultado frente à Austrália (jogo em que 21 dos 22 convocados não puderam
representa-la por terem outro passaporte e acabou reunindo às pressas jogadores
com cerca de 15,16, 17 anos) até as eliminatórias para a Copa do Mundo de 2014,
disputada no final de 2011, foram disputados 30 jogos e nenhuma vitória, com 12
gols marcados e 229 sofridos.
Após mais uma pífia campanha em
um torneio da Oceania em 2010, a federação local decidiu contratar um técnico
de fora que pudesse dar um rumo àquele time e chegar, pelo menos, a uma vitória.
Em 2011, chegou Thomas Rongen, um holandês, até então técnico da seleção sub-20
dos EUA, único que se candidatou ao peculiar emprego.
O time começou a treinar de forma
mais organizada visando às eliminatórias para a Copa de 2014. No dia 22 de
novembro de 2011, na primeira fase das eliminatórias na Oceania, em Ápia, Samoa,
a seleção da Samoa Americana entra em campo para enfrentar Tonga e após abrir
dois gols de vantagem, leva um e já sem fôlego, consegue segurar o resultado,
comemorado como se fosse um verdadeiro título. Para os desavisados, este jogo
pode não representar nada, mas para a pequena Samoa Americana representou a
primeira vitória daquela seleção e entrou para a história do futebol mundial.
Após um empate no segundo jogo contra Ilhas Cook e uma derrota com um gol no
último minuto frente à vizinha Samoa, a Samoa Americana pôde, mesmo eliminada,
comemorar o fato de, pela primeira vez, ter jogado de igual para igual com seus
adversários.
Veja os gols do jogo heróico jogo contra Tonga:
O filme “The Next Goals Wins”,
muito bem dirigido, consegue demonstrar esse heroísmo de seus protagonistas
através de várias histórias individuais que estão por trás da epopeia deste
verdadeiro exército de Brancaleone do futebol.
Pode-se destacar, por exemplo, o
técnico Thomas Rongen, que passa a se identificar com aquele simpático grupo de
jogadores e acaba encontrando naquela missão uma nova razão de viver após
passar por um drama pessoal ao perder
uma filha em um acidente de carro e talvez, por isso, tenha decidido recomeçar
a vida na longínqua Samoa Americana.
Outro que merece atenção especial
é o goleiro Nicky Salapu . Trata-se do
mesmo que, 10 anos antes, tinha levado 31 gols da Austrália (e feito defesas
importantes, diga-se) e convivia, desde então com esse pesadelo. Na tentativa
de esquecer, ele muda-se para os EUA, mas acaba sucumbindo aos apelos para
retornar ao selecionado de seu país, disposto a apagar o que ele considerava um
vexame e reescrever a história.
Mas o maior destaque de toda essa
trajetória fica por conta de Johnny/Jaiyah Saelua. Trata-se de uma jovem
zagueira que foi o primeiro transexual a disputar uma partida de futebol
oficial. Registrado como Johnny, teve que jogador futebol masculino desde os 15
anos e naquela vitória contra Tonga acabou eleita a melhor em campo. Antes
desse jogo, já adotava o nome Jaiyah. Em entrevista ao site Mais Futebol, de
Portugal, em dezembro de 2011, Jaiyat declarou:
“A Samoa Americana, assim como
outros países do Pacífico com cultura polinésia, aceitam os fa’afafine.
São pessoas que nascem homens, mas que se sentem mulheres desde muito cedo. É
algo aceite em quase todos os aspectos da sociedade, embora no esporte seja um
pouco mais difícil”.
O filme citado emociona como a
questão de ser fa’afafine (o que para
leigos seria transexual) é totalmente natural por todos em Samoa Americana.
Trata-se de uma não-questão, algo que não causa estranhamento entre os demais
jogadores e torcedores locais. O técnico holandês salienta a importância dela para
o ambiente do time em termos de respeito e união do grupo. E lamenta que isso
não aconteça no resto do mundo: “Na
verdade, tivemos uma mulher atuando como zagueiro central. Você consegue
imaginar isso na Inglaterra ou na Espanha?”
Nas entrevistas de Jaiyah Saelua,
fica muito evidente a sua felicidade em jogar em um ambiente familiar, em que
se sente tão bem. Ambiente este que infelizmente ela não encontrou quando
tentou jogar futebol no Havaí, onde foi estudar artes cênicas.
De fato, é de se emocionar que em
um país em que seus jogadores buscam em campo nada mais do que jogar com
dignidade, seja palco de uma história exemplar para o mundo ocidental,
inclusive o Brasil de tantos títulos no futebol, mas que certamente ainda
imaturo para lidar com questões de respeito às diferenças, como determinados
candidatos deixam tão evidente.
Com essa história, a pequena
Samoa Americana, de heróis como Jaiyah e Salapu ganhou definitivamente meu
respeito e minha torcida. Que seja um exemplo para o mundo.