Na vitória (considerada zebra) dos EUA de 1 x 0 contra a Inglaterra
em 1950, o autor do gol foi o imigrante haitiano Joe Gaetjens. Embora hoje esse
resultado possa parecer normal, naquela época a seleção dos EUA era praticamente
amadora e nesse confronto, todo o favoritismo estava com Inglaterra que pela
primeira vez concordou em participar da Copa do Mundo. Essa vitória histórica
resultou em filme, Duelo de Campeões (The Game of Their
Lives), de David Anspaug (disponível no youtube: https://www.youtube.com/watch?v=78JokICVNLc),
que retrata bem o heroísmo desse feito.
Joe Gaetjens |
Apesar de ser recebido como herói
nos EUA, Gaetjens optou por seguir a carreira de futebolista no futebol francês
e quatro anos depois, retornou ao Haiti e chegou a disputar as eliminatórias da
Copa de 1954 pelo seu país natal.
Entretanto, após a chegada no
poder de François Duvalier em 1957 (conhecido como Papa Doc), o Haiti passou a
enfrentar um regime de terror. Pelo fato de ter apoiado um opositor, Gaetjens
foi sequestrado e morto pelos Tontons
Macoutes, a polícia política ligada à Papa Doc em 1964. Relatos posteriores
dão conta de que o próprio Papa Doc, pessoalmente, foi quem matou Gaetjens na
prisão.
Anos mais tarde, o Haiti voltou a
obter destaque no cenário futebolístico ao conseguir a vaga da Concacaf (Confederação
de Futebol da América Central, do Norte e Caribe) em dezembro de 1973 para
disputar a Copa do Mundo de 1974. Naquela época, a fase final das eliminatórias
foi disputada em sede única (no próprio Haiti) sob forte influência da ditadura
haitiana, agora nas mãos de Baby Doc, que sucedeu a Papa Doc em 1971, mantendo o
regime de terror. Consta que durante as eliminatórias, em um jogo decisivo
contra Trinidad e Tobago, o árbitro, ameaçado de morte por Baby Doc, anulou
cinco gols dos visitantes e o jogo terminou em 2 x 1 para o Haiti.
Na Copa de 1974, disputada em território
alemão, na estreia do Haiti, depois de segurar empate sem gols no primeiro
tempo contra a Itália, saiu na frente do placar no início do 2º tempo
mas não conseguiu segurar o selecionado italiano e acabou derrotado por 3 x 1.
Ao término da partida, o zagueiro Jean-Joseph foi pego no exame antidoping (foi
a primeira Copa que passou a adotar esse procedimento) porque, inocentemente,
tinha tomado remédio contra asma. Assim que foi divulgado o resultado e ele ter
sido suspenso da Copa, a equipe de segurança do Haiti, sob as ordens diretas de
Baby Doc, espancou violentamente este jogador por ele ter “envergonhado a
história do país”, que sem Jean Joseph, foi goleado nas outras duas partidas
naquela competição (7 x 0 para a Holanda e 4 x 1 para a Argentina).
Após
retornar ao Haiti, Jean Joseth ainda permaneceu cerca de dois anos preso até
que foi liberado para que pudesse reforçar a seleção haitiana nas eliminatórias
para a Copa de 1978.
Jean Joseph (camisa escura no chão) em lance do fatídico jogo contra a Itália pela Copa de 1974. |
Em 1986, quando Baby Doc fugiu do
Haiti para se exilar na França, deixou como herança um dos países mais pobres do
mundo e com piores indicadores sociais. Tal situação serviu de inspiração para
uma bela canção de Gil e Caetano: “Haiti”, carro chefe do disco Tropicália 2,
lançado em 1993, quando aquela país tentava se reestruturar no meio de total instabilidade
política.
Aliado às tragédias políticas e
sociais, um terremoto em 2010 devastou ainda mais o pequeno país caribenho, dizimando
mais de 300.000 habitantes e deixando cerca de 1,5 milhões desabrigados. Alarmados
e totalmente destituídos de esperanças, muitos haitianos se viram praticamente
forçados a sair do país e recomeçar a vida em outro país, causando um movimento
migratório que teve no Brasil, que lhes fornece visto humanitário, um dos
principais destinos.
Desde então, esses imigrantes,
assim como outros tantos no passado mais distante, passaram a fazer parte da
história do Brasil e muito têm contribuído com seus esforços para refazer a
vida por aqui. Foi comum vê-los trabalhando inclusive para erguer os estádios
que serviram de sede para a Copa do Mundo (infelizmente nem sempre em condições dignas de trabalho).
Como se não bastasse
todas as dificuldades, eles ainda enfrentam preconceito e
manifestações xenofóbicas de parcela da população brasileira, que poderíamos
chamar de “direita raivosa”.
Foi nesse contexto que veio à
tona nessa semana uma bonita campanha do Avaí, time de futebol de
Florianópolis, contra a marginalização dos imigrantes haitianos. Na última
rodada do campeonato brasileiro, o Avaí disputou com uma camisa escrita Linyon,
que significa “União” na língua crioulo, idioma falado naquele país e lançou um
vídeo abordando o tema. Com uma chamada “Pode um ser humano ser menos humano do
que outro?”, lançou ainda um belo vídeo retratando a campanha:
https://www.youtube.com/watch?v=hhSnqhmL7n8
Avaí com a camisa em homenagem aos haitianos em julho de 2015 |
Que a partir de agora o futebol
esteja mais ligado à esperança do que às tragédias que os haitianos passaram ao
longo dos últimos tempos. E que sejam bem vindos ao até pouco tempo atrás “país
do futebol”.