terça-feira, 12 de julho de 2016

Os imigrantes em uma casa portuguesa, com certeza: de Eusébio a Eder

Eusébio (fonte: https://ocaisdamemoria.com/2015/01/25/eusebio-faria-50-anos-de-idade/)

Finalmente a seleção de Portugal obteve um título em um grande torneio de futebol. Com uma campanha repleta de luta, muitos empates e que tinha em Cristiano Ronaldo sua grande esperança, o título acabou vindo da forma mais improvável: após perder seu craque no início do jogo, machucado após entrada dura de Payet, coube a Éder, reserva que tinha entrado no decorrer do jogo, a autoria do gol do título na prorrogação. 

Nascido em Guiné-Bissau, país de colonização portuguesa na África, Ederzito Antonio Macedo Lopez (seu nome de batismo), mudou-se com a família para Lisboa com apenas 3 anos e, diante das dificuldades financeiras dos pais, foi levado para um orfanato em Braga e depois em Coimbra, onde passou grande parte da infância e adolescência. Naturalizou-se português e começou a jogar futebol pelo Oliveira do Hospital, da 4ª Divisão de Portugal. Depois de passagens pelo Tourizense (2007), Acadêmica de Coimbra (2008 a 2012), Sporting Braga (2012 a 2015) e Swansea City (País de Gales), Eder acabou emprestado ao Lille, da França.

O belo gol decisivo de Eder colocou-o definitivamente para a história do futebol, fazendo justiça à seleção que despontou para o mundo há cinquenta anos, na Copa do Mundo de 1966 devido justamente a outro africano de nascimento: Eusébio, o Pantera Negra. E no voo de volta para Portugal, ao lado do cobiçado troféu, o elenco inteiro da seleção posava com uma foto do maior jogador da história de Portugal e um dos maiores de todos os tempos do futebol, numa bonita homenagem.

Elenco português campeão da Euro 2016 posando no avião de volta para seu país com o troféu e, na frente, o retrato de Eusébio (fonte: http://desporto.sapo.pt/futebol/euro_2016/artigo/2016/07/11/portugal-ja-esta-no-aviao-para-voltar-a-patria)

Nascido em Moçambique (na época colônia de Portugal), Eusébio defendeu Portugal na primeira participação em fase final da Copa do Mundo em 1966. Com protagonismo, dono de um arranque veloz e um poderoso chute a gol, Eusébio não apenas levou sua seleção ao terceiro lugar, mas também se sagrou artilheiro da competição com 9 gols marcados em 6 jogos. De quebra, ainda eliminou o Brasil logo na primeira fase e foi responsável pela maior virada na história das Copas: depois de ver a Coréia do Norte abrir 3 x 0 contra Portugal nas quartas-de-final, com 4 gols de Eusébio, Portugal virou para 5 x 3 e se classificou para a semifinal.

Depois de iniciar a carreira em Moçambique, foi para o Benfica e permaneceu lá por aproximadamente 15 anos, levando o clube encarnado de Lisboa ao auge entre 1960 e 1975, período em que conquistou 11 Campeonatos Portugueses, 5 Taças de Portugal, 1 Taça dos Campeões Europeus (atual Champions League), e ajudou a alcançar mais três finais da Taça dos Campeões Europeus (1962-1963, 1964-1965 e 1967-1968). Foi o artilheiro da Taça dos Campeões Europeus em 1965, 1966 e 1968. Ganhou ainda a Bola de Prata sete vezes (recorde nacional) em 1964, 1965, 1966, 1967, 1968, 1970 e 1973. Foi o primeiro jogador a ganhar a Bola de Ouro, em 1968, façanha que mais tarde repetiu em 1973. Ganhou ainda a Bola de Ouro em 1965 e ficou em segundo lugar na atribuição da mesma em 1962 e 1966.

Com uma carreira dessas, Eusébio foi homenageado das mais diversas formas, como a estátua em frente ao Estádio da Luz, do Benfica, e também por diversas canções. A primeira delas foi Eusébio, gravada pelo grupo Sheiks, uma espécie de Beatles portugueses formada por Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Edmundo Silva e Fernando Chaby, logo após a Copa do Mundo de 1966, para celebrar o sucesso de "Eusébio e companhia" (como dizia a letra). “Foi uma proposta da [editora] Valentim de Carvalho”, recorda Carlos Mendes. “Tudo feito no estúdio, improvisado”. São dois minutos de canção. Uma celebração instantânea: “Como o grupo estava bastante entrosado, construíamos as letras e a música diretamente no estúdio”, diz Carlos Mendes [1]. Vale a pena conhecer: https://www.youtube.com/watch?v=i12wX4-o444

Três anos depois, a homenageia veio com O joelho de Eusébio, do Conjunto sem Nome, uma espécie de marchinha que aborda, além das qualidades do craque, as inúmeras lesões sofridas ao longo de sua carreira, resultado de entradas violentas dos adversários: “O joelho do Eusébio fez o mundo estremecer / Mas o Eusébio, tem joelho ‘inda' para dar e vender (...)”. Interessante que até “o menisco do Eusébio” era personagem na canção, representando “o menisco da saúde”: https://youtu.be/tCW46u2ayn8

Na década de 1980, outro grupo português chamado Salada de Frutas, famoso por canções com sonoridade new wave que marcaram aquela época também o homenageou na canção Se cá nevasse: "Se o Eusébio ainda jogasse / Ai que fintas ele faria um dia": https://www.youtube.com/watch?v=0Td-LHTPXkM

Em 2007 surgiu  uma banda galesa que levava o nome de Eusébio em sua homenagem, e lançou, naquele ano, o disco Beth yw Hyn. Mais recentemente, em 2011, a homenagem veio em forma instrumental com o guitarrista Rui Carvalho, conhecido como Filho da Mãe, que nos seu disco de estréia incluiu uma música chamada Eusébio no deserto. De acordo com Rui Carvalho, ele quis refletir o que o Eusébio tem do ser português, mesmo tendo nascido em Moçambique: “provavelmente mais português que qualquer português de que me possa lembrar”. E completa: “coloquei-o no deserto, um deserto que será mais próximo do imaginário cowboy. O tema é um blues acelerado, mas tem ali umas fintas pelo meio e qualquer coisa que o liga a Portugal".

Enfim, todas as homenagens prestadas em forma de músicas para Eusébio são mais que merecidas para quem foi um dos maiores craques do futebol de todos os tempoos. E o fato de que, 50 anos depois da Copa de 1966, o gol que deu o título mais importante de sua história para Portugal ter sido de outro jogador nascido na África não só é bastante representativo, mas serve também como uma legítima homenagem. Não é à toa que Cristiano Ronaldo dedicou o título aos imigrantes também: “É um troféu para todos os portugueses, para todos os imigrantes, todas as pessoas que acreditaram em nós. Estou muito feliz e muito orgulhoso”

Que esse gol de Eder sirva para relembrar a importância não só de Eusébio para o futebol, mas sim de todos imigrantes no mundo. 

Paulo Burian

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